
Em um movimento estratégico que pode transformar a logística sul-americana e redefinir o papel do Brasil nas rotas comerciais globais, os governos de Brasil e China assinaram um memorando de entendimento para estudar a viabilidade de uma ferrovia bioceânica. O projeto pretende ligar o estado de Mato Grosso ao litoral peruano no Pacífico, integrando-se à Nova Rota da Seda — ambicioso plano chinês de interligar economias ao redor do mundo por terra e mar.
Com potencial para se tornar o maior corredor logístico da América do Sul, a proposta representa não apenas uma obra de infraestrutura, mas um símbolo de um novo ciclo de cooperação internacional e desenvolvimento regional.
O que prevê o projeto da ferrovia bioceânica
O traçado inicial do projeto parte de Lucas do Rio Verde, no coração do agronegócio mato-grossense, passando por Mara Rosa (GO) — ponto de conexão com as ferrovias Fico (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste) e Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste) — até alcançar os estados de Rondônia e Acre. De lá, a linha férrea cruzaria a fronteira com o Peru, atravessando os Andes até chegar ao porto de Chancay, localizado a cerca de 70 km de Lima, no Oceano Pacífico.
Ao todo, o corredor ferroviário poderá alcançar até 4.500 km de extensão, integrando diversas modalidades logísticas, como ferrovias, rodovias, hidrovias e portos. Trata-se de um sistema multimodal que pode reposicionar o Brasil na geopolítica da exportação, facilitando o acesso aos mercados asiáticos sem depender das rotas marítimas tradicionais, como o Canal do Panamá.
Benefícios econômicos e estratégicos para o Brasil
O principal objetivo do projeto é oferecer uma alternativa logística mais rápida, eficiente e econômica para o escoamento da produção brasileira, sobretudo de grãos, minérios e carnes. Estima-se que o tempo de transporte para o mercado asiático possa ser reduzido em até 12 dias, o que impactaria diretamente na competitividade internacional dos produtos nacionais.
Além disso, a ferrovia impulsiona o desenvolvimento de regiões historicamente isoladas, como o norte do Mato Grosso, o sul de Rondônia e o Acre. Ao conectar essas áreas a um corredor internacional, o projeto tem o potencial de gerar empregos, atrair investimentos e diversificar a matriz de transporte brasileira, ainda fortemente dependente das rodovias.
Participação chinesa e a Nova Rota da Seda
Embora o Brasil não faça parte formal da Belt and Road Initiative (Nova Rota da Seda), o projeto ferroviário se insere diretamente na estratégia global da China de ampliar suas rotas comerciais terrestres e marítimas. A empresa responsável pelos estudos técnicos será o China Railway Economic and Planning Research Institute, braço da gigante estatal China State Railway Group.
A escolha não é aleatória: os chineses acumulam expertise na construção de grandes malhas ferroviárias, com alta tecnologia e capacidade de financiamento. O acordo prevê estudos de viabilidade técnica, econômica, ambiental e social, com previsão inicial de cinco anos para conclusão.
Preocupações ambientais e desafios geográficos
Apesar da ambição do projeto, há obstáculos importantes no caminho. Um dos principais é o impacto ambiental da obra, especialmente em áreas de floresta amazônica e na travessia da Cordilheira dos Andes. O governo brasileiro já sinalizou que priorizará um traçado que evite terras indígenas e unidades de conservação ambiental, aprendendo com erros de propostas anteriores que enfrentaram forte resistência de comunidades e ambientalistas.
A viabilidade técnica também é um ponto sensível, dado o terreno acidentado e os altos custos de construção e manutenção em regiões remotas.
Próximos passos
O memorando assinado entre Brasil e China marca o início oficial dos estudos. O governo brasileiro pretende avançar com o leilão da Ferrovia Fico em 2026, uma etapa essencial para viabilizar a integração do trecho central da futura malha bioceânica. Além disso, está prevista a cooperação com o Peru e, possivelmente, com a Bolívia, no contexto do programa Rotas de Integração Sul-Americana.
O sucesso do projeto dependerá do equilíbrio entre desenvolvimento e responsabilidade ambiental, além de negociações geopolíticas delicadas.